Artigo: A educação é a maior vítima da falta de estruturação nos municípios

Pouco se debate sobre uma situação gravíssima envolvendo recursos destinados aos municípios pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Recentemente, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, emitiu parecer no sentido de que o Ministério Público Federal (MPF) possa empreender ações para barrar contratações ilegais de escritórios de advocacia por prefeituras país afora, a pretexto de agilizar a liberação dos recursos federais que já estão disponíveis.

O parecer representa um alívio para os cofres públicos. O montante cobiçado pelas consultorias jurídicas privadas envolve cerca de R$ 90 bilhões. Este valor equivale a quase 80% do gasto primário da União com educação, em 2017, e chega a alcançar quase o dobro do orçamento geral da cidade de São Paulo para 2018.

A Procuradoria da República obteve uma vitória para que os municípios recebam a complementação de repasse do Fundeb sonegados pela União. Os escritórios privados estão sendo contratados sem necessidade e ilegalmente por municípios que buscam receber esse ressarcimento.

Nestes municípios, se essas ações de ressarcimento estivessem sendo patrocinadas pelos próprios procuradores do município, não estaríamos diante do apontado problema de uso indevido de recursos da educação para remunerar prestação de serviços jurídicos, visto que os procuradores já são remunerados pelos cofres públicos para cuidar de todo o contencioso e consultivo do ente.

A Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM) – entidade que reúne mais de quatro mil associados em pequenos, médios e grandes municípios – endossa integralmente a premissa do Ministério Público: recursos do Fundeb devem ser gastos exclusivamente na educação básica das cidades. Aliás, vale registrar que o Conselho Nacional do Ministério Público derrubou liminar que impedia o Ministério Público de combater contratações ilícitas de escritórios de advocacia nos municípios paraibanos (Processo de Controle Administrativo nº 1.00313/2018-77, 11ª Sessão Ordinária de 2018).

Creches, ensino integral, qualidade da educação – que exigem investimentos crescentes – são desafios permanentes na agenda dos gestores de educação. A preservação destes recursos é prioritária face aos gargalos e carências do ensino no País.

O caso emblemático dos recursos do Fundeb remete ainda para a insuficiente institucionalização das procuradorias municipais, carreira típica de Estado, nas diversas cidades do País.

O 1º Diagnóstico da Advocacia Pública Municipal no Brasil, levantamento inédito realizado ao longo de 2016/2017 pela ANPM, revela que, lamentavelmente, apenas 34% dos municípios brasileiros contam com ao menos um procurador municipal ativo, ou seja, efetivado por meio de concurso público específico para a carreira.

O procurador municipal é o primeiro filtro contra a corrupção, pois por meio do controle eficiente dos recursos públicos, contribui para que as cidades tenham orçamento equilibrado, sem desvios.

Os dados preliminares do estudo mostram, ainda, outro índice alarmante: apesar do custo da contratação do procurador municipal concursado ser inferior ao custo da contratação de comissionados e de serviços terceirizados, muitos municípios continuam contratando protegidos políticos, amigos e até parentes para prestar serviços jurídicos sem respeitar a Constituição.

Apesar do aprimoramento dos órgãos de controle, fiscalização, do consenso em torno de uma administração pública eficiente, sem desperdício de recursos, há muito o que se fazer pela segurança jurídica e para que prevaleça o interesse público nos municípios.

O papel do advogado público municipal é contribuir para a boa gestão municipal na defesa da legalidade por meio da assessoria jurídica direta da administração pública local e proteger a sociedade de quaisquer vestígios de irregularidade.

A institucionalização do País passa pelo compromisso incondicional com a legalidade, em todos os passos e decisões da administração pública. Esta atuação será ainda mais vigorosa se os agentes públicos puderem atuar com independência, mesmo sofrendo pressões, ameaças e represálias.

Cerca de três anos atrás, viemos a público denunciar o assassinato do procurador municipal Algacir Teixeira de Lima, no município de Chopinzinho (PR). Algacir, casado e pai de duas filhas, foi vítima de uma trama do prefeito local em função de denúncias de desvios e irregularidades administrativas, apresentadas pelo procurador junto ao Ministério Público. A ANPM sabe, com a dor da perda de Algacir, que este é um caminho sem volta para um novo País.

Em que pesem as vicissitudes do federalismo brasileiro – divisão de responsabilidades e obrigações para cidades e Estados versus centralização fiscal na União – olhar para os municípios é cada vez mais relevante.  É na cidade que as pessoas vivem, educam os filhos, trabalham, cuidam da saúde, circulam e cultivam atividades de lazer. O município é a unidade primária e base do (bom) governo para os cidadãos.

Para dar força aos municípios, é preciso executar políticas públicas mediante um corpo de profissionais capacitados, selecionados mediante concurso público, não contratados por apadrinhamento político. Só assim vamos construir um Brasil mais igualitário e socialmente responsável.

CARLOS FIGUEIREDO MOURÃO – procurador municipal de São Paulo, ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais-ANPM.

RAPHAEL VIEIRA – procurador municipal em Niterói e ex-vice-presidente da ANPM.

Fonte:https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-educacao-e-a-maior-vitima-da-falta-de-estruturacao-nos-municipios-05122018